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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ando meio que...pela palavra dos outros



CENA 9
DECEPÇÕES
(“O amor na prática é sempre ao contrário.”)


ISABELA
Ontem, o Gabriel me telefonou. Quer me encontrar e conversar. Teve mesmo a coragem de dizer que me ama.

FELIPE
Ontem me deu saudade da Isabela e uma sensação de que podia ter dado certo com ela, só pra vida ser mais fácil, sabe? Será que ela pensa em mim às vezes?

RICARDO
Eu e o Felipe voltamos aos poucos a conviver como se nada, jamais, tivesse acontecido. Ele tinha algum jeito de fazer com que não tivesse importância estar do meu lado sabendo que eu era – ainda – completamente louco por ele. Ele não me queria como eu o queria, mas também não admitia ficar longe de mim.

FELIPE
Eu acho que a culpa foi minha. Eu fiquei com medo de gostar dela demais e acabei estragando tudo.

ISABELA
A gente sofre e acha que não faz ninguém sofrer. Que merda o Gabriel pensa que tá fazendo? Me mandou uma mensagem de texto dizendo “todo fim de amor é infinito”. Porra... Será que você não percebe que as flores do jardim da nossa casa já morreram todas de saudades de você?

RICARDO
Porra, Felipe, do que você tem medo?

FELIPE
Eu tenho medo do que eu não conheço. Isso é muito anormal?

RICARDO
(Confessional.) Eu às vezes chego a ter medo de de repente você me querer.

FELIPE
Acho que o medo do “não” às vezes é só um disfarce. Porque o “não” pode ser uma certeza tranqüila.

ISABELA
Você foi pra tão longe por medo de me amar demais? Ou de me amar de menos?

RICARDO
Longe é só um lugar aonde a gente nunca vai.

FELIPE
Por que a Isabela não me quis?  Por que ela não se entrega?

RICARDO
Se entregar, se jogar no abismo da dor e da delícia, perceber que as coisas difíceis de aceitar são só as idéias muito simples. Por que não?

FELIPE
Por que o Ricardo quis?

RICARDO
Sem censura, sem barreiras...

ISABELA
Como aquele amigo bêbado e divertido que fica caindo em cima de você a noite toda.

RICARDO.
Com derramamento. Como se fosse uma música brega.

ISABELA
“Em vez de você ficar pensando nele, em vez de você viver chorando por ele...”

RICARDO
“Que veio como um tiro certo no meu coração, que derrubou a base forte da minha paixão...”

ISABELA
Paixão é como uma estrela cadente que a gente vê e acha que pode ver toda hora. Daí quando passa um meteoro, você se dá conta de que isso acontece raramente.

RICARDO
Daí eu me canso e acordo com vontade de coisas simples, simples queném o Arthur, meu ex-namorado, sempre foi. Pensei em ligar pra ele e perguntar se ele não queria casar comigo.

ISABELA
Mas se as coisas não precisam de você, quem disse que eu tinha que precisar?

FELIPE
O nome disso é desalento: quando tudo de que você mais precisa é o seu próprio manual de instruções.

RICARDO
(Raiva.) Porque você sorri pra mim e faz piadas e eu penso em perguntar “onde você tá vendo tanta alegria?”. Você sorri e eu quase tenho vontade de quebrar sua cara.

ISABELA
Eu às vezes queria tanto que o Ricardo... me quisesse.

RICARDO
(Algum rancor: porque no fim das contas é tudo muito simples, entendeu?) Esquece o “amor”, o mito, toda essa grandeza patética. Se você não me quer, me deixa em paz. Por que você não foge de uma vez? Não é isso que qualquer outro garoto como você faria, na situação em que eu te coloquei?

FELIPE
Eu sei que eu não sou como qualquer outro garoto. Mas eu não sei como eu sou.

RICARDO
Você acha mesmo que é possível agir de forma “normal”?

ISABELA
O que você é dele?

RICARDO
Conversar com você e disfarçar a vontade de beijar sua boca?

ISABELA
Dele.

RICARDO
Te olhar nos olhos e fingir que eu não me perco neles?

ISABELA
O que você é dele?

RICARDO
Me conformar com um aperto de mão para dizer “oi” e “tchau”?

ISABELA
Dele – ela respondeu.

FELIPE
“É tão difícil ficar sem você...”

ISABELA
“Porque toda razão, toda palavra, vale nada quando chega o amor.”

FELIPE
“O teu amor é gostoso demais.”

ISABELA
Você é um convidado chegando quando a festa já acabou, meu querido.

FELIPE
Eu me sinto sozinho numa festa onde eu não conheço ninguém.

RICARDO
Eu me sinto dando uma festa a qual ninguém virá.

FELIPE
O que você quer que eu faça?

ISABELA
Eu quero que você se dane, Gabriel. Desaparece. Entra num avião pra Malásia. Raspas e restos não me interessam.

RICARDO
Sabe o que falta em você?

FELIPE
O que falta em você...

FELIPE
RICARDO
ISABELA
Sou eu.

RICARDO
O que você quer que eu faça?

ISABELA
Eu queria que você me fizesse feliz.

FELIPE
Eu quero o meu dublê, agora, por favor.

ISABELA
O que você quer que eu faça?

RICARDO
Eu quero que você diga “sim”.

ISABELA
Eu quero que você vá se fuder!

(texto da peça "Música para Cortar os Pulsos" atualmente em cartaz no teatro augusta. Mais inf: http://musicaparacortarospulsos.blogspot.com.br/ )

domingo, 7 de outubro de 2012

Abre os braços

Como dizia o poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Nao há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão

(Vinicius de Moraes)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

pensamentos depositados

“Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor. Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque de quinta, com um dossel rústico de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca água.

Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não posso lhe tocar. Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? E quem é triste não pode esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.

[…]

Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio.
Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e actos. Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.
Mesmo eu , o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de quem me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhêce-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.

A minha vida é como se me batessem com ela.”

Bernardo Soares (fernando pessoa)



quarta-feira, 3 de outubro de 2012

perdoa me por me traíres (desculpa Nelson, roubei seu titulo)


Antonio, escrevo por que te traio...
Não queria que soubesse por mim, mas não tive escolha. Tedeixei diversas pistas nos últimos meses, fracassei,  não obtive retorno.
Acho que já não te desperto interesse, nem te pondo cornos.
Infelizmente não “Não é o que você esta pensando”,  digo que é o que você não pensou.
Sou interessante para alguém
Adeus.
Ps: deixei sua comida no forno. Carne com batatas. Não me espere para o jantar. Nem para dormir. Nem para acordar. Nempara sofrer. Nem para morrer. Nem para se desinteressar.