quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Dos preferidos
E foi mesmo na frente da igreja que a vida de Antônio deu uma volta medonha, pois no que viu Karina, seu coração disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou Karina bem ali, no meio da praça, e a boca de Karina não disse não, e nem poderia, pois estava muito ocupada.
(A máquina - Adriana falcão)
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Entre a brancura e Clarice.
Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco. E seria de gaze. Era um desejo intenso e lúcido. Acho que era a minha inocência que nunca parou. Alguns, bem sei, já me disseram, me acham perigosa.
Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou.
Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E têm um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto falta. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
(Clarice Lispector – 1968)
Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou.
Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E têm um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto falta. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
(Clarice Lispector – 1968)
terça-feira, 12 de novembro de 2013
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Desabroca
Já sentiu isso?
O tamanho do mundo, o ar que existe.
Respirar baixinho pra nao explodir os pulmões
Essa imensidão toda dentro de um telefone
Já sentiu isso?
Medo de mar. Da vontade de pular perto das pedras.
Será que da?
Já ouviu isso?
Esse som que te chama, desse zumbido que parece que diz sim
Dessa música que é nossa escrita pra outro
Já viu isso?
Essa voz de trovão embebida de culpa
Desse raio mortal que ilumina
Já sentiu isso?
Cheiro de alguém que vem pelo vento.
Da maquiagem do morto
Da história que você faz questão de contar
Daquele batom que eu perdi no casaco do paletó de alguém
Você entende isso, não?
Meu Deus, como é escuro aqui.
O tamanho do mundo, o ar que existe.
Respirar baixinho pra nao explodir os pulmões
Essa imensidão toda dentro de um telefone
Já sentiu isso?
Medo de mar. Da vontade de pular perto das pedras.
Será que da?
Já ouviu isso?
Esse som que te chama, desse zumbido que parece que diz sim
Dessa música que é nossa escrita pra outro
Já viu isso?
Essa voz de trovão embebida de culpa
Desse raio mortal que ilumina
Já sentiu isso?
Cheiro de alguém que vem pelo vento.
Da maquiagem do morto
Da história que você faz questão de contar
Daquele batom que eu perdi no casaco do paletó de alguém
Você entende isso, não?
Meu Deus, como é escuro aqui.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de
lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados,
diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao
meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela
esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas;
na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria
póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema,
como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois
polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha
acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas
sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e
espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela
pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho
crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se
lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor
pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas,
nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se
habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra
coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no
sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho
tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não
floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o
gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados,
aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor
acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo
de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos
roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e
volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor
se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se
dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo
Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou
depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na
descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que
começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes
acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas
encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e
quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo
périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e
acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se
abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente
esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão
até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como
se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e
esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o
álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da
primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do
inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba;
por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a
qualquer minuto o amor acaba.
Paulo Mendes Campos
sábado, 2 de novembro de 2013
e(m) fim
Escolhi uma profissão linda, conto historias. Todas tem
inicio meio e fim. Sou feita de ciclos.
De convivências intensas. De famílias mutáveis. De intimidades trocadas. De
outras vidas. Vive-se em dobro nessa tal de profissão, mutuamente, do lado de lá o tapa é melhor, quanto mais se proseia no bar do lado de cá..
A despedida é inevitável, reflete o quão humano é isso tudo.
é fim, é recomeço, sempre deixa saudade.
Escolhi uma profissão generosa, conto historias que contam
historias em mim.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
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