Se eu sentisse menos, teria menos dores de barriga, menos infeções
urinárias, vomitaria menos e ficaria menos doente...
Se eu sentisse menos, nãos sentiria tanta culpa e não
revisitaria incansáveis vezes as palavras ditas e as raras não ditas... se eu
sentisse menos me resguardaria mais...
Se eu sentisse menos, meu sangue não borbulharia em dias
frios e eu gritaria menos nas ruas, e lutaria menos em batalhas já perdidas e ficaria
menos rouca...
Se eu sentisse menos, choraria menos andando pela rua e
dentro dos ônibus da cidade, aliás, não me tremeria algo dentro do peito quando
passo no centro ou perto daquele restaurante, ou daquela loja, ou daquela farmácia,
cinema, escritório, porta, calçada, poste, Teatro, rodovia, fabrica,
estacionamento, parque, bairro, esquina, rua, placa, muro, portão, arvore, favela,
barraco, sobrado, prédio, casa, casinha, casebre... se eu sentisse menos,
guardaria menos histórias e se eu sentisse menos, definitivamente seria menos ridícula....
Mas eu sinto e parece que por milhões... sempre urgente... e
pulsando... cotidianamente nua e descalça e sangrando e marcando o chão em cada pisar...
Se eu sentisse menos quando encontrasse vestígios sangrentos
em lugares aparentemente novos, não experimentaria o gosto vermelho, só pela
curiosidade de saber se esse sangue é meu.